
Vou contar várias dessas peripécias, mas as primeiras a serem contadas não teriam como não ser essas duas que relatarei logo abaixo. Primeiro: fui morar em Newark, uma cidade muito próxima de Nova York, quinze minutinhos de metrô da capital do capitalismo. Era literalmente uma viagem, porque a linha do trem passa em baixo do Rio Hudson. A engenharia é barbada, já diria meu amigo Otávio Xavier.
Como já falei anteriormente, meu terceiro emprego foi na churrascaria de um gaúcho de Cruz Alta chamado Ademir. Boss (patrão), como era conhecido entres os funcionários, era sangue bom pra caramba com todos. Ele foi muito cedo para a América do Norte com seus pais, tinha 13 anos. Aos 18, começou fazer sua fortuna.
Durante dez temporadas, ou seja, dez anos, ele pescou caranguejos no Alaska, a profissão mais perigosa do mundo. Tem até uma série no Discovery Channel sobre as embarcações que passam semanas em alto mar. Mas como a profissão é muito perigosa, também é bem remunerada.
A cada jornada, os peões marinheiros (galera que puxa as redes no braço) ganham entre 50 e 150 mil dólares, depende de quanto o navio pescar. Não tenho a mínima idéia de quanto seu Ademir ganhou nesses dez anos, só sei, que foi o suficiente para montar duas churrascarias em New Jersey e virar o dono do pedaço.
A tal churrascaria era um antro de brasileiros. Tinha brasuca de tudo que é canto: paranaense, cearense, carioca, maranhense, capixaba, paulista, mas quem tomava conta do recinto eram os mineiros. A migração do povo da terra do pão de queijo é tão grande para NJ, que eles brincam que nos EUA tem mais gente de Governador Valadares do que em Governador Valadares.
Por quê? Eu explico.
Minas Gerais é o estado brasileiro que possui o maior número de coyotes em atividade. Coyotes são agenciadores que atravessam brasileiros ilegalmente pela fronteira do México. Pra ti ter ideia, 80% dos brasileiros que trabalhavam comigo no salão da churrascaria, passaram ilegalmente por terras mexicanas. Como sou muito curisoso, a cada dia ia instigando a travessia de cada um. Detalhe, muitos deles já eram amigos no Brasil, então, as histórias eram interligadas.
* Na foto: Dos sete da foto, quatro vieram pelo México, dois em intercâmbio e vivem hoje ilegamente ,e eu com visto estudante obtido na minha outra estada nos EUA. Três são mineiros!
DONA LURDINHA E O SONHO DA SOL
Só relembrando que tudo tem um porque na vida, acabei indo morar com dois mineiros: Dona Lurdinha e Alisson, vulgo Ligeirinho. Mãe e filho, ela com seus 50 e poucos e ele beirando os 30 anos. Família de classe média baixa no Brasil, ela uma panificadora de mão cheia, ele um boa praça dos mais espertos. Sabe como esses dois foram parar na terra dos Yankes? É até engraçado, lembram daquela novela América? Onde a Sol (vivida por Débora Secco), uma mulher da periferia que sonhava com uma vida melhor, de fama e fortuna, atravessou a fronteira com o México em busca de uma vida de sonhos na maior economia mundial.
Pois é, Dona Lurdinha (foto) descobriu um coyote em Belo Horizonte e se mandou para os EUA, inspirada na Novela da Globo, sem avisar ninguém, mas ninguém mesmo. Detalhe, com seus 50 e pouco anos, quando atravessava o deserto, com todos os perigos que conhecemos, foi pega pela Polícia e recolhida a prisão da imigração.
Ficou presa durante cinco meses, sem ningém da família saber, até ser extraditada para o Brasil. Para conhecimento, a transação com o coyote só vale se tu atravessar a fronteira e estiver bem na terra do Obama. Como a primeira tentativa foi pífia, Dona Lurdinha, não contente, repetiu a tentativa, até conseguir o mesmo que Sol: entrar nos Estados Unidos da América.
Já Ligeiro, como um verdadeiro boa praça, veio mais tranquilo. Viajou de avião até Tijuana (MEX), divisa com San Diego, no estado da Califórnia, ficou num hotel por uns dias e passou para os EUA por um fundo falso de um caminhão. Diz ele que era muito apertado, ehehe, imagina!? Depois ele pegou uma avião e caiu em Newark, onde já estava sua mãe e sua prima Michele.
Quando eu morei com eles, Dona Lurdinha já estava no seu sexto ano, contando os dias para ir embora, morrendo de saudades do marido e da filha. Mas como foi em busca de um objetivo, ela tinha metas para cumprir. Aí perguntei a ela depois de mais um choro que derramava pelo seu rosto calejado: Dona Lurdinha, valeu a pena tudo isso que a senhora passou?
A resposta foi essa: “Olha Deivid, nesses seis anos que estou aqui, reformei toda minha casa, paguei a faculdade e deu um carro popular para minha filha, e vou poder abrir minha padaria quando voltar e ter uma vida tranquila”, disse ela emocionada, com o sentimento de dever cumprido.
Ligeiro ficou ainda mais um tempo trabalhando por lá, no total quase 4 anos, mas acabou voltando com uma mão na frente a outra atrás, para mesma vida pacata e de boa praça que ele levava em Minas Gerais. A diferença é que ele deu uma banda na América do Norte, pescou em águas pagas, queimou alguns dedos, tomou algumas Coronas (cerveja mexicana) com limão e sal, e agora, a mãe dele tem uma padaria em MG.
Por hoje era isso meu queridos. Ainda virão muitas histórias legais desse ano vivido no subemprego americano. Agora me diz uma coisa: Você teria a mesma coragem que a Dona Lurdinha teve?
Grande abraço.
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