Por Pablo Ritzel
Advogado e Colaborador do Blog do Bruxo
Mais uma vez a cidade do Rio de Janeiro é palco de episódios de violência estarrecedores. Nenhuma novidade nisto, todavia, o aparato bélico utilizado na repressão não tem precedentes no combate à criminalidade no Brasil. Imagens da trágica guerra urbana, transmitidas pela mídia em tempo real e em tom triunfalista, dimensionaram para os brasileiros, e para o mundo, os graves problemas sociais, e de segurança pública enfrentados pela cidade que mais simboliza o Brasil no exterior. O clima de medo instaurado fomenta o (re)surgimento de vozes radicais, clamando por leis mais severas como solução para a questão da criminalidade.
Sempre que se vivencia uma crise como a atual, a sociedade, acuada, exige soluções imediatas para mazelas gestadas por décadas de descaso e políticas públicas equivocadas. Invariavelmente nestes casos, cobram-se dos legisladores leis prevendo penas maiores e mais duras, em nome da (pseudo) sensação de segurança pública. Os propagadores desta política entendem que com uma legislação penal mais severa, os índices de criminalidade diminuiriam drasticamente, uma vez que os criminosos seriam intimidados com a perspectiva de pesadas punições.
Todavia, as experiências desta natureza, no Brasil e em outros países, não alcançaram os objetivos almejados. Ilustram bem este quadro a lei anti-sequestro, criada em meio à repercussão pelo rapto de um famoso empresário, e que jamais coibiu ou diminuiu a incidência deste delito, e o sistema judicial norte-americano, que apesar de bastante rígido, prevendo inclusive a pena de morte, não consegue estancar o problema da criminalidade naquele país. Cabe ainda se ponderar quanto ao impacto de leis mais severas no precário e superlotado sistema carcerário brasileiro, que não recupera, e tampouco comporta com a mínima dignidade os detentos, e a evidente a relação entre o agravamento da execução penal e o crescimento das facções criminosas.
Inegavelmente já faz bastante tempo que a criminalidade no Rio de Janeiro atingiu proporções intoleráveis. A resposta do poder público era tão necessária, quanto esperada pela população, e, infelizmente a gravidade do quadro requeria até mesmo o uso do aparato bélico estatal. Entretanto, ao invés aplaudir as bandeiras hasteadas no topo do morro, a sociedade deve repudiar as políticas que resultaram na necessidade de uma guerra urbana para combater a criminalidade. Antes de louvar a retomada do morro, deve-se exigir a retomada da cidadania de tantas comunidades assoladas não só pelo crime, mas pela pobreza e o descaso dos governantes. E por fim, não esquecermos que não é somente o tráfico que deve ser combatido no Rio de Janeiro, mas também as milícias, onde agentes do Estado, que deveriam promover a ordem e paz social, aterrorizam comunidades inteiras, tal como os traficantes.
Assim, não se deve falar em leis mais severas, mas em um sistema judiciário mais democrático e eficiente, pois o desmedido autoritarismo estatal pode representar para a sociedade um perigo ainda maior que fuzis na mão dos bandidos. E os esforços neste sentido não podem prescindir de políticas públicas que contemplem a prevenção da criminalidade e a ressocialização dos criminosos, o que não é possível sem pesados investimentos em educação e melhorias no sistema judicial, e no bem-estar social. E isto não se faz com ações episódicas como as em curso, e tantas outras realizadas na última década. O Estado precisa se manter presente nessas comunidades, não somente como repressor, mas também como garantidor das condições básicas para uma vida digna. Sendo diferente, estaremos condenados, tal como Sísifo na mitologia grega, a sempre carregar um pesado fardo até o alto, para que de lá caia e nos obrigue a carregarmos tudo novamente.
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